Editorial

Rafaella Lopes Pereira Peres

Resumo


Prezado leitor,

Fechamos o difícil ano de 2020 com alguma esperança em novos caminhos possíveis. A continuidade e o agravamento da pandemia de Covid-19 somados a acontecimentos sociopolíticos variados em terras brasileiras, contudo, foram logo derrubando as expectativas positivas de um 2021 melhor ou de um ‘retorno’ ao que vem sendo chamado de ‘novo normal’. Não sabemos com detalhes que mudanças ‘esperançar’ (buscar o que é viável para fazer o inédito) ou quais serão as circunstâncias dessa outra realidade social (que talvez não tenha traga elementos tão novos assim), mas seguimos aguardando, em maior ou menor medida, ansiosas(os) por algum câmbio drástico que nos tire deste estado abismado (defrontados que andamos com o abismo) no qual nos encontramos. Apesar dos pesares, a busca por novas expectativas, mais sensibilidade e uma percepção solidária da realidade social brasileira - cientes de que a ciência, a criatividade e a ação têm um papel importante nesse processo - continuam. O design, neste contexto, segue nos convidando a mergulhar nos processos cotidianos, produtivos e reflexivos, atentos às especificidades de um campo conectado a um universo semântico que é, muitas vezes, capaz de revelar algo comum ao que é estar vivo – e ativo no – aqui e agora.

A humanidade precisa se apoiar na aplicação sistemática do método científico e se apegar, cada dia mais, à perspectiva da resolução de problemas das práticas científicas e projetuais, com seus conjuntos de normas e critérios de resolução. De modo individual e/ou coletivo, nós, no âmbito do design e de seus variados nichos de atuação e possibilidades produtivas, acreditamos que o fazer projetual pode ser positivamente influente na construção desses novos caminhos capazes de combinar lógica e imaginação, ciência, técnica e arte.

O design é em si um campo multidisciplinar e multidimensional, com fortes influências de áreas como a da linguagem, das artes, da estética, da informação, da comunicação, da cognição, da psicologia, do comportamento, assim como a da produção midiática tecnológica. De um modo geral, suas fronteiras são maleáveis, e ensaiam uma definição nas devidas conexões realizadas. Nessa primeira edição de 2021, os artigos apresentados na Estudos em Design nos propõem um olhar consciencioso e atento.

A atenção consciente a quem recebe e faz uso das produções do design; a atenção às novas práticas comerciais impulsionadas pelo isolamento social; a atenção à construção de sujeitos e espaços sob a perspectiva dos estudos de gênero; a atenção à estética da sustentabilidade e ao papel da transparência neste desenvolvimento; a atenção à relação entre a criança e o pensamento computacional; a atenção ao desenvolvimento de interfaces para a facilitação do transporte; a atenção à transdisciplinaridade e à multidimensionalidade no ensino de design; a atenção ao pensamento complexo na prática do design; a atenção à história do desenho industrial; e a atenção a abordagens mais ecológicas e pluriversais no processo projetual... Essas são as discussões propostas nesta primeira edição de 2021 da revista Estudos em Design.  

O primeiro artigo, “Para um descentramento do usuário no design: uma abordagem pós-estruturalista”, de Felipe Machado de Souza, Mériti de Souza e Francisco Antonio Pereira Fialho, da Universidade Federal de Santa Catarina, discorre sobre uma proposta pós-estruturalista no design como possibilidade de reconhecer que um objeto pode adquirir usos e significados singulares, indo além do que foi pensado como único e universal para ele pelo projetista. A partir de uma técnica criativa, os profissionais sugerem soluções projetuais para os relatos subjetivos analisados. Segundo eles, é possível verificar que a transformação singular dos artefatos por parte dos usuários revela outras concepções inicialmente não consideradas nos projetos.

Em “Visualização de contratos eletrônicos: uma proposta de artefato com base em Proposições de Design”, Renata Zappelli Marzullo, André Ribeiro de Oliveira e André Soares Monat, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ, sintetizam e organizam Proposições de Design com o intuito de constituir um artefato para apoiar soluções de problemas na compreensão dos contratos eletrônicos, tomando como caso um site de reservas de hospedagens. Segundo os autores, apesar do aumento do comércio eletrônico por conta das recomendações de isolamento social advindas da pandemia de COVID-19, as interfaces desses contratos, na generalidade dos casos, são confeccionadas sem uma compreensão das necessidades de comunicação das partes envolvidas e da forma como elas interagem e interpretam as informações.

Com o intuito de enfatizar que as práticas no design não são neutras e constroem sujeitos e espaços, propiciando uma reflexão sobre as relações entre design, cultura material e tecnologia sob uma perspectiva de gênero, o terceiro artigo desta edição, “Da fábrica ao lar: o estilo industrial na decoração dos interiores domésticos sob a ótica de gênero”, de Lindsay Jemima Cresto e Marinies Ribeiro dos Santos, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, discute as relações – no âmbito da decoração de interiores – entre espaços público e privados, estilos decorativos e gênero.

No quarto artigo desta edição, em língua inglesa, “Projetos Conceituais rumo a Estética da Sustentabilidade: design de jogos de xadrez criativos onde a forma segue o significado”, de Lucas Farinelli Pantaleão e Stuart Walker, da Universidade Federal de Uberlândia e da Lancaste University, respectivamente; é estimulada a prática reflexiva a respeito da forma e do processo de design segundo uma metodologia guiada por princípios sustentáveis, considerações culturais e materiais locais e/ou de reutilização industrial. Para os autores, este é o início de um projeto que pretende explorar e desenvolver uma estética para a cultura material por meio do que eles chamam de “função estética sustentável” e aderindo ao princípio "forma segue significado".

Em “Modelo teórico para diagnóstico da transparência em serviços: uma proposta para o setor de alimentos”, Marcella Lomba Nicastro e Aguinaldo dos Santos, da Universidade Federal do Paraná, discutem o desenvolvimento sustentável a partir do princípio da transparência. De acordo com os autores, embora a transparência tenha sido apontada como uma prioridade nas agendas de inovação, ainda falta uma compreensão aprofundada do seu potencial de aplicação no Design de Serviço. A partir do método Design Science Research integrado à Revisão Bibliográfica, Estudo de Casos Múltiplos e Design Etnográfico, os autores investigam o tema dentro do setor de alimentos e chegam a uma proposta de modelo teórico para avaliar e incorporar a transparência rumo à sustentabilidade em serviços digitais neste setor.

O sexto artigo, também em língua inglesa, “Projetando interfaces de brinquedos programáveis para crianças pequenas”, de Cesar Pereira Viana, André Raabe e Cassiano Pereira Viana, da Universidade do Vale do Itajaí, discute o desenvolvimento do Pensamento Computacional das crianças. O artigo analisa interfaces de brinquedos programáveis e descreve o processo de design de três interfaces de programação para o RoPE (Robô Programável Educacional), indicando usos eficientes e problematizando o processo de recepção infantil.

Em “Desenvolvimento de Interface Digital para Aplicativo de Suporte de Serviço Aquaviário no Amazonas”, sétimo artigo da edição, de Tiago Kimura Bentes e Nelson Kuwahara, da Universidade Federal do Amazonas, apresenta-se o desenvolvimento de uma proposta de interface de aplicativo móvel para a compra e venda de passagens de barcos regionais no estado do Amazonas. A pesquisa toma como incentivo a importância do transporte hidroviário na região amazônica e utiliza o método ‘Projeto E’ de Meurer e Szabluk (2010) para analisar a estrutura do serviço de venda de ingressos e colaborar com a execução e modernização do serviço de venda de ingressos, chegando a resultados avaliados como bom e excelente pelos usuários/participantes.

A partir da reflexão sobre a prática do STEAM em pesquisas de Design, o oitavo artigo desta edição - “A importância do STEAM frente aos desafios da formação do ensino superior e da pesquisa multidimensional em Design”, de Wilson Kindlein Junior, Felix Bressan e Felipe Luis Palombini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - apresenta, por meio de casos de aplicação de tecnologias 3D de investigação, representação e fabricação, um exemplo prático da ligação entre as áreas por meio do desenvolvimento de um objeto de uso cotidiano com um software generativo e de impressão 3D, referenciado no binômio arte-tecnologia, advindos do diagrama matemático de Voronoi, que se faz presente em muitos elementos naturais.

O nono artigo, “O processo de design pelo olhar da complexidade: uma oportunidade de ressignificação pelas estratégias”, de Danielle Pedrozo e Ione Maria Ghislene Bents, da Universidade Federal de Santa Maria e da Unisinos, respectivamente, discorre sobre a reflexão transdisciplinar pela perspectiva da teoria da complexidade, com o objetivo de incentivar a abertura para a renovação de práticas projetuais, principalmente no que diz respeito às metodologias de design. Identifica processos projetuais capazes de responder aos desafios da complexidade e fundamenta noções consideradas essenciais para o pensar e o agir projetual. Segundo as autoras, é possível projetar com as ideias vindas da complexidade, desde que o designer tenha em mente o permanente arranjo e a mutabilidade dos ecossistemas considerados, assim como uma atitude crítico-reflexiva para que o processo se dê numa instância de operação de inteligência, de sensibilidade e de produção de conhecimento.

Os antecedentes do desenho industrial na Argentina e no Brasil guiam o décimo artigo, “Antecedentes do desenho industrial na Argentina e no Brasil: constituição das mentalidades industriais e dependência tecnológica”, de Patrícia Amorim da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A autora defende que a introdução do desenho industrial moderno no Brasil e na Argentina, em 1950, foi um período de significativa industrialização que buscou mitigar o atraso tecnológico e fabril dessas nações historicamente fornecedoras de matérias-primas básicas aos mercados centrais, com o intuito de traçar um conciso panorama histórico-comparativo – do século XVI às primeiras décadas do século XX –, esboçando o modo tortuoso pelo qual Argentina e Brasil elaboraram sua mentalidade industrial e empreendedora.

Por fim, o artigo “Aproximações em Design para além do Racionalismo: tecendo caminhos para o pluriverso”, de Débora Andrade e María Cristina Ibarra, da Universidade Federal de Pernambuco, fundamenta-se nas obras de Arturo Escobar e Boaventura de Sousa Santos e propõe analisar práticas do design a partir de características da tradição racionalista, refletindo como superá-las. As autoras apresentam alguns caminhos, no design, que buscam escapar de monoculturas e pilares do mundo moderno, auxiliando a compreensão do nosso lugar como designers e a percepção de iniciativas mais ecológicas e pluriversais.

Com a tessitura das relevantes questões apresentadas nesta edição da revista, reforçamos a importância do design na proposição de resoluções que melhorem os processos, as relações, as reflexões, as reexistências e (sobre)vivências neste mundo complexo. Ótima leitura!

 

Profª Drª Rafaella Lopes Pereira Peres


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Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X

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