Editorial

Gabriel Patrocínio

Resumo


WickedProblems: Complexos, perversos, terríveis, malditos...

Esses são alguns dos adjetivos atribuídos a uma classe especial de problemas, que escolhemos aqui designar pela expressão inglesa – wickedproblems – já que esta vem sendo utilizada em publicações acadêmicas de diversas áreas. Formulados nos anos 1960/1970 pelo matemático e designer HorstRittel, ex-professor da HfG Ulm, são definidos como uma “classe de problemas do sistema social que são mal formulados, onde a informação é confusa, onde há muitos clientes e tomadores de decisão com valores conflitantes e onde as ramificações em todo o sistema são completamente confusas”[1].

Entre uma pandemia de efeitos avassaladores, uma crise ambiental que ameaça a existência humana no planeta, e uma guerra na Europa que reacende o temor e o horror de um conflito mundial, uma abordagem dos wickedproblems é, sem dúvida, um tema de interesse atual.

Há exatos 30 anos, a revista Design Issues publicava um artigo do professor Richard Buchanan que se debruçava sobre os wickedproblems enfrentados pelo pensamento de design[2]. Apoiando-se em teóricos do pensamento como John Dewey e Herbert Simon, Buchanan formula uma doutrina dos posicionamentos, que serve para estabelecer uma classificação do design em quatro categorias (comunicações simbólicas e visuais; objetos materiais; atividades e serviços organizados; sistemas ou ambientes complexos) utilizadas para discutir o pensamento do design. Uma década antes do início da comoditização do Design Thinking, que assumiu o papel de um brandname e tornou-se uma das abordagens favoritas das escolas de negócios, o pensamento de design já era apontado pelo autor como solucionador de problemas das mais diversas naturezas. 

Para Buchanan, o designer é um solucionador de impossibilidades, praticante de uma nova arte liberal da cultura tecnológica. Em suas considerações, discorre sobre porque o design ainda é (in)compreendido como voltado apenas às aparências, sendo muito pouco (ou quase nunca) percebido como atividade integradora com potencial para desenvolver estratégias de enfrentamento de problemas complexos.

Wickedproblems in design thinking tornou-se um clássico na academia, servindo de referência para projetos, discussões e estudos publicados tanto na área de design, arquitetura e engenharia, como também nas áreas de gestão de negócios e gestão pública (segurança pública, habitação, mobilidade urbana, meio ambiente etc.). Entre os artigos já publicados na Estudos em Design, encontram-se diversas referências ao texto de Buchanan. O Google Acadêmico registra atualmente uma marca significativa de mais de 4900 citações do artigo, comprovando a sua extrema relevância até hoje. Em 2017 foi publicada uma tradução para o espanhol na revista do Centro Metropolitano de Diseño de Buenos Aires[3], mas até hoje não pudemos encontrar uma versão para o português.

Prestes a também completar 30 anos de relevância para a pesquisa em design (em 2023), a Revista Estudos em Design acolheu a ideia de republicar o artigo, agora traduzido, disponibilizando-o para toda a comunidade lusófona. Com ele abrimos a nossa primeira edição de 2022 – o 30º volume de Estudos em Design –, esperando amplificar seu alcance e importância, contribuindo para a reflexão sobre o tema pelos pesquisadores em design e nas demais áreas alcançadas pelo texto.

Agradecemos a gentileza e a generosidade do professor Richard Buchanan, extremamente solícito em todos os nossos contatos, e ainda à Revista Design Issues e à MIT Press pela cessão dos direitos de publicação na língua portuguesa.

 

Celebrando a diversidade da pesquisa em Design

 

Esse trigésimo volume traz ainda uma variedade de temas que comprovam tanto a condição do design como um wickedproblem, na proposição de Buchanan, quanto contemplam as suas quatro ordens, com toda sua riqueza e complexidade: signos, coisas, ações e pensamentos.

“Bordados e o design para a autonomia de mulheres: uma revisão sistemática da literatura” junta abordagens decoloniais e feministas ao referencial teórico do design para a autonomia. O bordado, para além de promover aconvivialidade comunitária, apresenta-secomo estratégia de sobrevivência econômica e uma sociotecnologia de cuidado, dando voz e autonomia às mulheres bordadeiras.

“Narrativas sobre design brasileiro na exposição “Carlos Motta: marceneiro, designer e arquiteto” em 2011”, discute curadoria e história do design brasileiro a partir de texto do designer Sérgio Rodrigues, e propõe uma revisão da historiografia do design para o século XXI.

“Para entender o panorama institucional do design a partir da noção de “campo” e do legado teórico de Pierre Bourdieu” parte daestruturação teórica construída pelo filósofo para aplicá-lano entendimento do campo do design.

“See Color: Desenvolvimento de uma linguagem tátil das cores para pessoas com deficiência visual” apresenta o desenvolvimento e testagem de uma proposta de linguagem tátil das cores, que procura contribuir para uma maior inclusão do deficiente visual.

“Branding em língua de sinais: a relação entre o design e a Libras na gestão de marcas”trata também de inclusão, ao pesquisar como as marcas podem e já vem utilizando as linguagens de sinais para comunicar-se com deficientes auditivos, desenvolvendo sinais próprios, conteúdos específicos e canais de atendimento.

“Projetando com sistemas generativos: uma discussão orientada a processos criativos” invoca o pensamento computacional e os processos criativos mediados pela computação para discutir o design através de sistemas generativos – uma interface que precisa ser discutida frente à expansão da inteligência artificial.

“Como a arquitetura pode estimular o autista por meio da reverberação sonora?” é outra pesquisa quediscute inclusão e acolhimento, voltada à questões sensoriais auditivas de portadores de Transtornos do Espectro Autista. Os espaços arquitetônicos podem, através da geometria, materiais e revestimentos, propiciar ambientes adequados a estes usuários com características especiais.

“Projeto enquanto Progresso nos Discursos do Design”analisa o discurso projetual do design em seu contexto progressivo histórico, evocando Foucault, e visando abrir “uma possibilidade para a análise de seus efeitos sob o viés discursivo.”

“Design Emocional e Design para o Bem-Estar: marcos, referências e apontamentos” propõe que o design vá além do que se identificou como design emocional, promovendo “conhecimentos e métodos com foco no impacto duradouro do design na vida das pessoas.”

Complexo, inclusivo, empoderador, inovador, transformador, o design se afirma como um instigante objeto de estudo, em meio aos desafios da história e da atualidade. Na ocasião da abertura deste trigésimo ano de existência da Estudos em Design, reafirma-se aqui o compromisso com a pesquisa em design,e o estímulo ao debate criativo, propositivo, e socialmente responsável.

 

Prof. Dr. Gabriel Patrocínio,

IFHT/UERJ (Brasil); ISMAT Portimão (Portugal)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


[1]CHURCHMAN, C. West. Guest Editorial: Wicked Problems. Management Science, v. 4, n. 14, p. B141-B142, dez. 1967. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2628678> Acesso em: 21 abril 2022.

[2]BUCHANAN, Richard. Wicked problems in design thinking. Design Issues, v. 8, n. 2, p. 5-21, abril 1992. DOI: https://doi.org/10.2307/1511637.

[3]BUCHANAN, Richard. Los problemas malditos delpensamiento de diseño. Tradução: Marta Almeida e Paola Marino. Revista iF, Centro Metropolitano de Diseño, n. 11, p. 53-72, Buenos Aires, Argentina, 2017. Disponível em:<http://revista-if-cmd.blogspot.com/2017/01/if-11.html> Acesso em: 21 abril 2022.


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Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X

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