Celebrando o design e a vida

Sérgio Luciano da Silva

Resumo


Caras e Caros leitores,

Os anos sombrios que enfrentamos colocam diversos desafios para todos nós que associamos conhecimento à vida. Fui formado no ofício cético da filosofia, nos cinzentos anos 1980, olhando para o futuro com cautela e desconfiança. Ao mesmo tempo, voltava-me para o passado e invejava a sorte de estudiosos que viveram na modernidade e contribuíram para a construção dos nascentes campos do saber daquele período emblemático da história das ideias. Mas como alertava de forma lapidar um professor especialista em Hume, “no mundo das contingências fenomênicas qualquer futuro é possível”. Surpreendentemente, ao me encantar com design tipográfico e projetos editoriais, fui, ao longo dos anos de atuação no mercado, deixando de lado meu pessimismo. E meu engajamento na pesquisa e docência completaram minha feliz conversão ao design.

Pode parecer exagero, mas entendo a pesquisa em design como uma oportunidade preciosa em um momento único da história, tão relevante quanto o da constituição das ciências na modernidade. Acredito que estamos fazendo “ciência extraordinária”, na expressão de
Thomas Kuhn, ou fundamentação metafísica, como gosto de dizer. Sintoma disso são os filósofos que cada vez mais se debruçam sobre o design e seus polêmicos temas. Por que o design desperta esse interesse e por que pensadores como Vilém Flusser, Bruno Latour e Alain Findeli, para citar poucos, percebem o design como campo privilegiado para a reflexão de assuntos antes tratados pela filosofia? Flusser coloca as questões do design e os designers no centro de suas indagações: “Esse é um problema de design: como devem ser as máquinas, para que seu contragolpe não nos cause dor?”; “Será que o designer estará preparado para colocá-las?”[1]. Não creio que esses pensadores transfiram da filosofia para o design parte da responsabilidade de refletir sobre a realidade. Suponho que identifiquem nos campos projetivos um dos lugares onde uma batalha pela vida, em seu significado mais plural, acontece, e o design é um dos protagonistas e mediadores. Tarefa impossível? Penso que sim, mas como afirma Tony Fry “[...] a história do homem tem sido muitas vezes a consecução da impossibilidade.”[2]

Há algum tempo venho considerando a existência de uma natureza filosófica no design, uma vez que esse campo partilha com a filosofia, e também com a arte, certa indeterminação, e intencional problematização da realidade. Tal incompletude é saudável nessas áreas, pois não se aprisionam em definições, e sempre se reinventam ao produzirem soluções inesperadas para seus problemas. Nesse contexto, há 29 anos a Estudos em Design cumpre um papel fundamental de estimular e promover a divulgação do conhecimento, abrindo espaço a todos nós, pesquisadores do design, e dos mais diversos campos, unidos pela produção científica, reflexão teórica e resultados na prática. É gratificante fazer parte desse empreendimento coletivo dedicado ao saber e, claro, à vida.

Esta segunda edição de 2022 da Estudos em Design reúne artigos que, mais uma vez, comprovam a diversidade e riqueza de temas e abordagens em torno de questões sempre tempestivas, preservando o rigor e cuidado na escrita, a atenção aos seus objetivos, e o permanente diálogo entre a academia, a sociedade e o mercado. Vamos a eles:

“Images as qualitative visual references: recommended image boards for product development process activities”, de Marcos Roberto dos Reis, UFSC e Eugenio Andrés Díaz Merino, UFSC, propõe ir além do marketing e do design, relacionando os Painéis Imagéticos (PI) com o Processo de Desenvolvimento de Produtos (PDP) e demonstrando como as informações dos PI promovem alinhamento, comparação ou inspiração visual e oferecem vantagens para áreas multidisciplinares do PDP.

“Crítica à ênfase da “imaterialidade” no campo do Design: uma perspectiva marxista”, de Joana Martins Contino, ESPM, Rio, analisa criticamente a mudança no eixo conceitual do design, deslocado da concepção da forma dos produtos industriais para os processos estratégicos. Apoiado no método dialético e das categorias do materialismo histórico busca compreender as práticas no design relacionadas ao contexto político-econômico e social e às estruturas do modo de produção capitalista.

“Design Estratégico a partir de uma ética amorosa”, de Lúcia Kaplan, UNISINOS e Karine de Mello Freire, UNISINOS, reflete sobre possíveis contribuições ao Design Estratégico, criticando o modo de produzir conhecimento da ciência moderna e propondo uma prática de design “sentipensante”, onde o sentir e o pensar encontram-se em relação dialógica. Introduz a noção de amor como fonte da socialização humana e como inseparável do diálogo. Apoiado nas aproximações e diferenças entre a pedagogia de Freire e a proposta de Design Estratégico de Mauri, sugere uma nova ética amorosa para a práxis do Design Estratégico.  

 “Processos, métodos e modos de concepção visual em projetos de livro para infância”, de Simone Cavalcante de Almeida, Universidade Anhembi Morumbi e Gisela Belluzzo de Campos, Universidade Anhembi Morumbi, retoma o papel dos criadores visuais como André Neves, Lúcia Hiratsuka, Andrés Sandoval, Raquel Matsushita e Renato Moriconi, na construção do livro como produto cultural e meio de comunicação. Os resultados confirmam as trocas e aproximações entre design gráfico e ilustração quanto à forma, organização e comunicação de seus processos.

“Casca de Citrus sinensis como gerador de conceito para o desenvolvimento de estruturas bioinspiradas com propriedades de amortecimento e dissipação de energia”, de Antônio Roberto Miranda de Oliveira, UFPB/Brasil, Amilton José Vieira de Arruda, UFPB/Brasil e Carla Langella, Università degli Studi Federico II/Itália, tem por objetivo desenvolver uma estrutura bioinspirada, baseada na geometria estrutural das células presentes no mesocarpo, que possuem características estruturais para absorção de impacto. Por meio da microtomografia computadorizada e fabricação digital foram possíveis análises de materiais, reconstrução tridimensional da estrutura e sua prototipação.

“Método de projeto em Design de Interiores: um olhar sobre a prática do ensino de projeto nos cursos de bacharelado em Design de Interiores no Brasil” de Gilberto Rangel de Oliveira, UFRJ e Nayra Nathiene Domingos da Silva, UFRJ, tem o objetivo de mapear, identificar e registrar como Instituições de Ensino Superior de Design de Interiores, tratam a prática do ensino de projeto. A identificação dos métodos, técnicas e outros aspectos do ensino proporcionam ao leitor melhor compreensão sobre a fundamentação teórica entre o ofício de Design de Interiores e a formação em Design de Produto, indicando pontos de convergência entre as duas áreas.

“Design Prospectivo: uma agenda de pesquisa para intervenção projetual em sistemas sociotécnicos”, de Frederick M. C. van Amstel, UTFPR, Fernanda Botter, UTFPR e Cayley Guimarães, UTFPR, parte dos wicked problems para apresentar o Design Prospectivo (fundado na fenomenologia crítica que problematiza a situação existencial do ser humano como uma contradição entre os aspectos naturais e artificiais do mundo), analisa e expõe quatro propostas para uma agenda de pesquisa sobre intervenções projetuais em sistemas sociotécnicos.

“Um olhar sobre as expectativas, seus reflexos e potencialidades na pesquisa e prática do design”, de J. Cézar Cavalcanti Rocha, UFPE, parte da psicologia e das ciências sociais e investiga como as expectativas podem ser relevantes para processos de design, indo além de mapear requisitos para projeto e entendendo com mais profundidade as experiências ou embasando processos colaborativos de design. Nesse contexto, os mitos, metáforas, imagens associadas, processos de estímulo à imaginação, além de alguns protocolos para entrevistas e suas análises, têm um enorme potencial.

“Pesquisa em Design: ensaio sobre a origem dos métodos e a atualidade das ferramentas metodológicas”, de Vagner Godói, FAM e CIEBA-FBAUL, desenvolve um panorama historiográfico e ensaístico sobre a Metodologia do Projeto de Design com recorte na formação de abordagens contemporâneas, como no Design Thinking. Se a sistematização dos processos mostrou-se excessivamente racionalista e cientificista, esforços foram feitos para equilibrar a criatividade e a formalização dessa criatividade através da solução de problemas. Atualmente, as metodologias encaminham-se para uma abordagem múltipla, iterativa e estratégica.

“Design, alimentação e transições para a sustentabilidade”, de Iana Uliana Perez, UNESP, Mônica Moura, UNESP e Suzana Barreto Martins, UEL, destaca dois segmentos alinhados ao paradigma do design contemporâneo: o food design e o design de transições para a sustentabilidade. Considerando os impactos socioambientais do sistema alimentar hegemônico, apresenta revisão bibliográfica sobre como o design pode contribuir na promoção de sistemas alimentares mais sustentáveis e ressalta as possibilidades de atuação do food design e de intervenções para a construção de cenários mais sustentáveis para os sistemas alimentares.

Vida longa à Estudos em Design!

Boa leitura!

Sérgio Luciano da Silva

Universidade do Estado de Minas Gerais    


[1] FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. Tradução Raquel Abi-Sâmara. São Paulo: Cosac & Naify, 2007, p. 49-50.

[2] FRY, Tony. Reconstruções: Ecologia/Design/Filosofia. Tradução Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2009, p. 18.


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Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X

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