Diversidade, Desafios e Impactos da Pesquisa em Design
Resumo
O campo do Design, ao longo de sua trajetória, se caracteriza por uma pluralidade de abordagens, ora voltadas para questões estéticas e funcionais, ora direcionadas a problemáticas sociais, tecnológicas e ambientais. Esta diversidade reflete o valor da pesquisa na área, que continuamente se transforma e se expande, contribuindo para o desenvolvimento de soluções inovadoras, sejam elas práticas ou reflexivas. A presente edição da revista Estudos em Design destaca exatamente essa multiplicidade de perspectivas, abordando desde questões filosóficas sobre o conhecimento até desafios contemporâneos como o impacto das identidades organizacionais, o uso da cor, e até mesmo a adaptação a novas formas de publicação científica.
Se, por um lado, o Design tem sido um campo de constante inovação, por outro, ele enfrenta os mesmos desafios globais que afetam todas as disciplinas, entre os quais se destacam as mudanças climáticas e seus impactos devastadores. Ele emerge como um processo criativo e crítico, capaz de impactar diretamente a vida das pessoas, principalmente em momentos de crise. O recente exemplo das enchentes no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, que atingiram quase a totalidade do estado, ilustra a gravidade do momento que vivemos no Brasil e no mundo.
O Design, em sua essência interdisciplinar, tem o potencial de atuar na mitigação e recuperação de catástrofes como esta, oferecendo soluções tanto na esfera urbana e arquitetônica quanto em produtos que assegurem maior segurança e conforto às populações afetadas.Inúmeras ações de extensão foram promovidas no RS neste período crônico e que nos orgulham ao percebermos a presença do Design com propostas emergenciais e solidárias, tais como os rodos de madeira em fabricação digital para remoção da lama das residências; como nas estruturas tubulares, segmentando os espaços nos abrigos para as famílias atingidas; como na proposta de mobiliário emergencial para a fase de recuperação dos lares, pós-enchente. O desafio, portanto, não é apenas projetar para o presente, mas pensar estrategicamente o futuro, compreendendo que a adaptação às mudanças climáticas passa por soluções criativas e sustentáveis, que só se tornam possíveis por meio da pesquisa científica, do desenvolvimento contínuo e da perseverança em nós mesmos.
No entanto, é essencial ressaltar que, assim como as mudanças climáticas, outros desafios igualmente complexos permeiam o campo do Design. As pesquisas publicadas nesta edição ampliam o horizonte de temas, permitindo uma leitura multifacetada sobre como o Design interage com diferentes aspectos da sociedade e da cultura. Neste sentido, esta edição não se limita a um único foco, mas explora o impacto do Design em diversas esferas. Cada um dos artigos nos convida a refletir sobre o papel do Design em nossa sociedade e em nossas interações com o mundo.
O primeiro artigo, de Sérgio Luciano da Silva e Rita Aparecida da Conceição Ribeiro, investiga o conceito de “problemas perversos” (wickedproblems) na visão de Rittel e Webber, colocando-o em diálogo com o monismo de Bruno Latour. A analogia entre os dois enfoques filosóficos nos convida a refletir sobre a complexidade dos problemas que o Design enfrenta, sejam eles de natureza ambiental, social ou técnica, e como a prática do Design é inevitavelmente influenciada por essas camadas de complexidade.
Na esfera empresarial, o artigo de Marcilene Machado Reinert e demais autores oferece uma visão aprofundada sobre a construção da identidade corporativa em startups. Ao explorar o processo de formação do “self” organizacional, o estudo revela como o Design é central na construção de narrativas e identidades que têm impacto tanto no público interno quanto externo, destacando-se em um contexto onde a inovação constante é essencial.
O artigo de André Luiz Sense demais autores, explora o conceito de design audiovisual, termo emergente nas esferas comercial, acadêmica e literária, frente ao avanço digital e à expansão de exibição de vídeos. Com uma revisão de literatura e análise de conteúdo de publicações de 2003 a 2021, o estudo propõe uma síntese conceitual sobre características, funções, métodos e contextos do design audiovisual.
A cor, como um elemento de comunicação e resistência cultural, é o tema central do artigo de Cláudio de Sousa Teixeira e Carla Pereira, que analisam as capas dos discos da Tropicália lançados em 1968. Por meio de uma análise semiótica, o estudo demonstra como o Design gráfico e o uso das cores se tornam ferramentas de expressão política e cultural, contrariando padrões estabelecidos e reforçando discursos de contracultura.
No cruzamento entre Design e Cinema, Estêvão Lucas Eler Chromiec e Luciane Maria Fadel desenvolvem um instrumento de análise para examinar o imaginário cinematográfico a partir do Design. Este estudo revela como o Design não apenas contribui tecnicamente para a produção cinematográfica, mas também molda as formas como visualizamos e interpretamos as narrativas que o cinema constrói, ampliando assim sua influência no imaginário coletivo.
O artigo de Valter Vinícius Costa e seus colaboradores propõe uma análise especulativa sobre a obra de William Morris, explorando como suas utopias literárias dialogam com o futuro e o passado no campo do Design. Esse olhar especulativo nos convida a pensar sobre como o Design pode atuar como um mediador entre o que foi e o que pode vir a ser, destacando seu potencial de transformação social e cultural.
Felipe Kaizer Santos, por sua vez, traz uma contribuição sobre o conceito de cultura material no Design, particularmente no contexto britânico, e como essa ideia tem ampliado o escopo de artefatos estudados, ao mesmo tempo em que demanda maior reflexão teórica. Essa abordagem interdisciplinar reforça o papel do Design como um campo de pesquisa integrador, que dialoga com outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a crítica cultural.
A inovação também aparece no artigo de Maurício Elias Klafke Dick, que investiga as práticas de publicação digital em periódicos científicos no Brasil. O estudo aponta para a necessidade de evoluir as formas de divulgação do conhecimento em Design, adotando práticas mais interativas e diversificadas, que respondam às necessidades de leitores e pesquisadores em um cenário digital em constante mudança.
No campo do Design inclusivo, o artigo de Juliana Christiny Mello da Silva e demais autores, explora a inter-relação entre a arquitetura residencial e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este estudo oferece uma análise profunda sobre como o ambiente construído impacta diretamente o bem-estar e a qualidade de vida de indivíduos autistas, destacando a importância do Design de Interiores na criação de espaços que sejam sensorialmente adequados e seguros.
O estudo sobre aEstrutura de raciocínio integrativo, de Júlio Carlos de Souza van der Linden e coautores, oferece uma nova perspectiva sobre como podemos desenvolver competências criativas para resolver problemas complexos no Design. Esse modelo de raciocínio integrativo combina diferentes modos de pensar – científico, comum e do Design – para promover soluções mais inovadoras e completas.
Por fim, o artigo de Nilton Gonçalves Gamba Junior e sua equipe aborda a questão da etnomaterialização, trazendo à tona as relações entre máscaras e identidade, e como o Design e a comunicação visual podem enriquecer os estudos etnográficos. Esta contribuição oferece novas maneiras de pensar a materialidade no Design e suas implicações culturais.
O artigo de Luis Carlos Paschoarellie coautores, investiga como a cor do produto afeta a experiência e usabilidade. Trinta mulheres portuguesas entre 60 e 80 anos avaliaram assadeiras em três cores (terracota, verde e cinza), mostrando que a cor influencia emoções e usabilidade, apontando para o potencial de combinar UX e US no aprimoramento do design de produtos.
Cada um desses artigos contribui para ampliar a compreensão do Design como uma disciplina complexa, multifacetada e essencial para o mundo contemporâneo. Sejam os desafios climáticos, sociais ou culturais, o Design, através da pesquisa e do desenvolvimento contínuo, é capaz de oferecer respostas inovadoras e eficazes, moldando nosso futuro de forma resiliente e sustentável. Esta edição, ao reunir temas tão diversos, nos convida a refletir sobre as inúmeras formas em que o Design pode e deve atuar – sempre com a responsabilidade de imaginar e criar soluções que atendam às demandas do nosso tempo.
Everton Sidnei Amaral da Silva
Designer de Produto (ULBRA). Mestre em Engenharia Ambiental e Tecnologias Limpas (UFRGS). Doutor em Design (ENSAM - Arts et MétiersParisTech). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Vice Diretor da Faculdade de Arquitetura (FA – UFRGS).
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Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X
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