Editorial

Maria José Jorente

Resumo


Prezado leitor

Janus, o deus romano de duas faces, é associado a portas de entrada e de saída, aos inícios, a decisões, a escolhas, a transições. A simbologia de sua dupla face relaciona-se, simultaneamente, ao passado e ao futuro.

Talvez sob a representação de Janus devamos encarar o final do famigerado ano de 2020. Se, até o momento limiar de descerramento de suas cortinas, a pandemia mostrou-nos, no percurso do ano, a face temerária, - uma, entre as inumeráveis tragédias que, em seu decurso, a humanidade atravessou - no início de dezembro de 2020, Janus, generosamente, nos desvelou, também, a outra: a dos desafios e das oportunidades de aprendizado que todas as situações limite nos propõem. Ao finalizar o ano, gemelar até mesmo em sua representação numeral, o anúncio do início da vacinação no continente europeu, e a proposta de um calendário para iniciá-la no Brasil, possibilitou encorajarmo-nos em um exercício de antevisão da nova normalidade.

Assim, o protetor das portas que se abrem e fecham, simultaneamente, para dois caminhos, Janus - das idas e das vindas, das passagens e das mudanças, do passado para o futuro, de um universo para outro - nos antecipa Janeiro, em Dezembro: Ianuarius, o seu mês, primeiro mês do calendário Gregoriano, duplo de encerramento de um ciclo e início de outro. Resulta que, embora ainda devamos buscar a clareza e as lições nas mensagens do vírus à nossa pequena humanidade, podemos já focar nos desafios do porvir e respirar no alívio que nos proporcionou o esforço coletivo das ciências, que nos alcançou formatada como vacina.

No cenário brevemente descrito é que encontramos o nosso pertencimento e o de nossa comunidade de interesse. O Design, com seus trânsitos entre Ciência e Arte - bem como suas subáreas, distribuídas, disciplinas e metodologias - converge em sua missão as potências para oferecer hipóteses e soluções aos desafios que, certamente, nos esperam a partir dos inúmeros recomeços que se avizinham. Como indivíduos, como sociedade e como cultura podemos, pelo exercício criativo, no contexto de uma ciência criativa, recuperarmos a alma e nos animarmos a continuar, e a recomeçar.

Na atual edição de Estudos em Design encontramos artigos provocadores, que vivificam ensaios e experimentações necessárias aos sugeridos recomeços:

 “Design de serviços: um estudo sobre inovação em características e competências de processos para cocriação de valor” apresenta um estudo aplicado em uma academia de musculação sobre fluxogramas de processos e inovação em serviços, orientado à melhoria das suas atividades. Propõe, para isso, a combinação de diagrama PCN de Sampson (2015) com o quadro conceitual de características de serviços de Gallouj & Weinstein (1997) alinhando visualmente toda a cadeia de serviços e convergindo expectativas de provedores e usuários com o objetivo de simplificar a complexidade cognitiva do processo implicado.

“Design, energia solar por conversão fotovoltaica e artefato de medição” aborda a melhoria da integração dos sistemas fotovoltaicos na arquitetura e no design. Questiona, primeiramente, como mensurar a variação da energia elétrica produzida pela conversão fotovoltaica da energia solar na cidade de Curitiba, Paraná. Descreve, a partir da discussão sobre o questionamento, o desenvolvimento de um artefato criado com o intuito de demonstrar possibilidades de aplicação da tecnologia, tanto em produtos de design, quanto em projetos arquitetônicos para medição de radiação solar em condições energeticamente sub-ótimas.

Em “A relação entre as ideias dos designers e a realidade: um estudo de caso em calçados para mulheres com hálux valgo”, deformação no pé que causa dor e desequilíbrio motor - também conhecido como joanete - demonstra-se como calçados desenvolvidos de maneira adequada por meio do design podem prevenir o agravamento da deformação. Para tanto, o artigo analisa e correlaciona as ideias de designers de calçados e de outras pessoas relacionadas ao produto, como vendedores, portadoras de HV e ortopedistas, na busca de proporcionar melhor entendimento da patologia e definir adequações em projetos do calçado para HV.

“A abordagem dialética para a inovação no Design: o processo dialógico na transformação de artefatos” relata investigação acerca da relação entre Design e dialética fundamentada na tríade hegeliana (tese-antítese-síntese). Sugere a aplicação dos princípios dialéticos ao Design, nas dimensões processuais de concepção de ideias e na análise das transformações dos artefatos em uma perspectiva histórica. Indica, nas conclusões, que é possível correlacionar as leis da teoria dialética com o processo de design, e contribuir, assim, para a interpretação da inovação radical, incremental e do design dominante com base nas dimensões dos macro e microprocessos.

O artigo “Revisão de pesquisas em design de origami na área médica” compila revisão de literatura e analisa pesquisas aplicadas que descrevem tipos de materiais, processos de fabricação, necessidades e demandas de determinadas áreas da saúde, bem como vantagens estratégicas da sua utilização, em termos de custos, processos de manufatura, usabilidade e sustentabilidade. Na área médica o origami - arte japonesa que consiste em modificar recortes de papel em figuras bi ou tridimensionais por meio de dobraduras - ganha especial atenção em pesquisas recentes, dadas as inovações alcançadas em formas e estruturas

“A Visão Sistêmica do Made in Italy: um conjunto de princípios inter-relacionados e intangíveis” investiga qualitativamente, e de maneira sistêmico-construtivista, a visão também sistêmica do conceito Made in Italy, como conjunto de princípios e valores (tangíveis e intangíveis) inter-relacionados, orientado para inward-looking (foco nas próprias operações) versus outward-looking (contexto competitivo) no âmbito do Design Culture, uma vez que há uma modificação no modo como o Design é praticado, circulado e percebido nesta cultura. O produto de moda, neste prisma, é considerado um produto híbrido, no qual os elementos materiais são valorizados em razão da formatação de referências culturais, criativas e comunicacionais.

“Prospectando futuros para a educação superior no contexto pós-pandemia COVID-19” é fruto da proposta de um evento piloto, que visou instigar a comunidade acadêmica e externa à UTFPR e estimular o debate sobre tensões e tendências tecnológicas presentes e futuras para a educação superior. O artigo discorre sobre como o Design Transicional e Prospectivo fornece, no contexto da universidade, subsídios para, ao lidar com problemas sistêmicos, pensar e transformar a realidade das relações entre os agentes protagonistas na educação superior a longo prazo.

“Cem anos de invenção e matemática em Armin Hofmann” apresenta o método do designer gráfico suíço Armin Hofmann, um dos fundadores da Escola de Design da Basileia, que defendeu o ensino a partir da criatividade e do desenho como forma de pesquisa e investigação, de estilo intuitivo, mas de rigor construtivo claro e conciso. A partir da análise de sua obra-chave, o Graphic Design Manual: Principles and Practice (1965), dos relatos de Dorothea Hofmann em seu livro sobre o modelo educacional da Basileia e da entrevista com o professor e designer brasileiro contemporâneo Leopoldo Leal, o artigo ainda busca entender de que formas o ensino da Basileia e de Armin Hofmann ecoam nos dias de hoje no ensino de design no Brasil.

“Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro - Criação de website institucional’ descreve o planejamento e implementação do website da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte das ações comemorativas dos 200 anos da Instituição pioneira no ensino das Artes na América Latina. O artigo documenta as ações para a criação do website - seu layout e funcionamento - pensadas para agregar conhecimentos do Design, da informática e das Artes e dar melhor visibilidade e funcionalidade à complexa estrutura que compõe a Unidade contextualizada no histórico da instituição.

Em “O design de interiores como prótese de gênero: um estudo sobre ambientes projetados para casais e para crianças” o objeto de estudo das autoras é a CASACOR Paraná®. Analisam imagens e textos de seis ambientes familiares entre 1994 e 2018do ponto de vista de estudos de gêneros. Demonstram por meio da análise empreendida que as estratégias de individualização e diferenciação aplicadas a ambientes expostos na mostra são consonantes com uma perspectiva normativa das relações de gênero, articulada a modelos de casa e de família que remetem a ideais tradicionais burgueses novecentistas.

Indígenas na Universidade: uma comunidade criativa de práticas em Design colaborativa” contextualiza duas oficinas de Design entre indígenas e não-indígenas da Universidade Estadual de Londrina a partir dos conceitos de Comunidades Criativas e Comunidades de Prática; sistematiza referenciais teóricos e registros etnográficos das oficinas em mapas mentais para comparação conceitual. Resultado de pesquisa de natureza exploratória e descritiva e pautada na metodologia qualitativa da pesquisa social, o artigo apresenta resultados das relações entre as Comunidades Criativas e de Prática no contexto sociocultural. As oficinas realizadas são casos promissores de inovação no processo de Design, tendo em vista que a colaboração é um aspecto essencial da atividade contemporânea, pois atende às necessidades da Nova Economia e de sustentabilidade.

Para encerrarmos, enfatizamos nossa percepção de que o Design está longe de preocupar-se somente com características meramente estéticas na criação de conceitos gráficos e de produtos. Vocaciona-se, ao contrário, para a solução de problemas e para a melhoria das relações com a complexidade de nosso entorno. Responde a necessidades de preservação e de acesso às informações essenciais à vida. Boa leitura!

 

Dra. Maria José Jorente  


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Revista Estudos em Design, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, ISSN Impresso: 0104-4249, ISSN Eletrônico: 1983-196X

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